12.26.2008

Pantanal e a serra de bodoquena (Brasil)


São apenas 20 os quilómetros que separam a cidade fronteiriça de Puerto Suarez na Bolívia e Corumbá no Brasil mas as diferenças separam-nas a anos luz, em particular para os nossos olhos, habituados à singeleza e inércia tropical das aldeias remotas do oriente boliviano, Corumbá parecia-nos uma cidade moderna ordenada e próspera. No entanto alguns edifícios coloniais em estado de decadência testemunhavam os tempos em que a cidade era um importante porto comercial no rio Paraguai.

Alojámo-nos num desses edifícios, o Hotel Angola, cuja simpática e faladora dona nos conta que pertenceu a um senhor de "lá de Portugal de África". Ficamos um pouco à conversa. Tínhamos deixado o mundo hispânico para trás e pela primeira vez na viagem podíamos falar sem barreiras idiomáticas, contudo, não podia deixar de me sentir um pouco estúpido a tentar imitar a suave cadencia melódica do brasileiro.

Passamos um dia em Corumbá a absorver os novos ritmos do país e a ajustar a nossa fonética. E um dia de descanso numa cidade topical, começa com um avantajado café da manhã seguido por um passeio pelas ruas da cidade até ao meio dia quando o calor sufocante obrigava a uma paragem para almoço seguida pela sesta sagrada, debaixo do ventilador, é claro. Quando o sol deixa de ser uma verdadeira ameaça, esta na hora do 5 duche de água fria do dia e o regresso à actividade: um passeio junto ao porto da cidade para ver o pôr do sol e uma(s) cerveja Brahma num dos bares junto ao cais.

No dia seguinte partimos com direcção à Estrada Parque, para conhecer um pouco da "jóia da coroa" ecológica Brasileira, o Pantanal. O Brasil nunca tinha figurado nos nossos planos de viagem. É um pais demasiado grande e com uma misogenia social e paisagística tão ampla que implicaria uma viagem por si só, além de que estava muito longe da Cordilheira Andina. As várias historias que íamos ouvindo ao longo dos meses através de relatos de outros viajantes fizeram-nos mudar de ideias. E ainda bem que o fizemos.



A Estrada Parque é um caminho de saibro e barro vermelho que atravessa uma pequena parte do pantanal no estado do Mato Grosso do Sul. Começa a cerca de 15 quilómetros de Corumbá e termina 140 quilómetros depois em Buraco das Piranhas. Durante o seu percurso atravessa dezenas de pontes de madeira sobre os vazantes dos rios Areião e Paraguai, parte do vasto delta do pantanal. Levamos 3 dias a pedalar esses 140 km, não porque o caminho fosse mau (também não era muito bom) mas porque as razões para parar eram muitas. É simplesmente incrível a quantidade de animais que se podem observar ao longo do percurso, desde jacarés (estima-se que haja entre 10 a 30 milhões desses bichos no pantanal), capivaras, veados, macacos, papas-formigas. Mas o que mais chama a atenção é a passarada, uma amálgama infinita de tamanhos, cores, formas de voar, ninhos e chilreadas, que nos obrigavam a desmontar inúmeras vezes e observá-los por longos momentos. Entre muitos o emblemático pássaro do pantanal com mais de um metro de altura, o jabiru.














Estávamos no inicio de Outubro e as primeiras chuvas da temporada já se começavam a sentir e em breve esta estrada iria estar intransitável durante vários meses. Ao final da tarde chegamos a Curva do Leque, um aglomerado de 5 ou 6 casas e um restaurante, aproximava-se uma tempestade mas decidimos continuar. O caminho agora era arenoso e com algum barro, mas dava para pedalar. Poucos quilómetros depois começam a cair as primeiras gotas, tínhamos que montar acampamento com rapidez, mas o único local seco que havia sem termos que partilhar o espaço com uma família de jacarés ou capivaras era na própria estrada. A Joana parecia preocupada com a ideia de ter as rodas dos carros a passar a pouco mais de um metro da sua cabeça e junta umas ramas de árvores em redor da tenda para servir de protecção. Mais tarde quando a chuva e relâmpagos se intensificaram, o tráfego era o menos das nossas preocupações. Apesar de eu não o ter admitido na altura (para não preocupar ainda mais a Joana), essa noite assisti ao que foi provavelmente a maior tempestade eléctrica que jamais alguma vez vi dentro da minha tenda. A proximidade dos relâmpagos e o seu som em stereo eram assustadores.

Na manhã seguinte, depois de uma noite quase sem pregar olho, seguimos viagem por um caminho bastante enlameado que nos obrigava a empurrar as bicicletas por pequenos troços. Em poucas horas o sol forte e o calor inclemente secaram a estrada e pudemos seguir sem grandes dificuldades.


O calor acompanhou-nos durante as 3 semanas que pedalámos no Brasil e fazia-nos transpirar como rios em época de chuvas. Mas pior que o suor era o fastio de beber água a 30 graus, que apesar de evitar a desidratação não retirava a sede, essa água maldita com sabor a sopa insípida!

O Brasil foi o pais das sestas na rede...

Qualquer sitio era um bom sitio



De volta ao alcatrão continuamos viagem rumo a Miranda, mais uma cidade Brasileira relativamente limpa moderna e organizada. A ausência de lixo nas ruas das cidades e estradas do Brasil foi algo que me impressionou bastante, pelo menos comparado com outros países em vias de desenvolvimento na América Latina como o México e Argentina onde o lixo é simplesmente deitado janela fora e os desperdícios do consumismo são parte da paisagem urbana e rural. No Brasil (ou pelo menos em Mato grosso do Sul), parece haver um pouco mais de civismo e preocupação pela preservação da natureza. Sim, o Amazonas, eu sei, mas isso é tema para outro blogue, de uma outra viagem!


Miranda marcou a mudança de cenário na nossa curta viagem de 735 km pelo Brasil. Deixámos para trás a zona do pantanal e começamos lentamente a entrar na Serra de Bodoquena onde iríamos pedalar nos próximos dias. Esta zona é território de peões de boiadero a conduzir as boiadas, ou manadas de bois, pelas vastas pastagens. O solo é de um vermelho ocre, o céu enorme, a paisagem ondulante que nesta altura do ano está coberta por um vívido manto de verde onde milhares de ninhos de térmitas, construídos na terra brotam do solo como feridas da natureza.



Os solos calcários da Serra de Bodoquena com as suas inúmeras grutas, lagos e nascentes subterrâneas alimentam e filtram as águas dos vários rios que descem as serranias deixando-os livres de sedimentos e com a água cristalina. A inquestionável beleza natural desses lugares (infelizmente quase todos dentro das terras dos fazendeiros que cobram bem caro para visitá-los) tornou a região num dos principais destinos de eco-turismo do Brasil, sendo a cidade de Bonito a base para exploração desses atractivos naturais.

Montámos acampamento num parque de campismo junto ao Rio Formoso a 8 km da cidade de Bonito e aí passámos uma semana a descansar. Os elevados preços a pagar para visitar esses ditos lugares eco-turísticos dissiparam o já escasso desejo em fazer qualquer tipo de excursão organizada, e dedicamos uma semana a fazer os que cicloturistas mais gostam de fazer quando não estão na estrada: comer e descansar as pernas!
Espetada na espia...nova especialidade dos ciclituristas..
O descanso em Bonito servio tambem para algumas revisoes nas burras...
Este pneu trocado em Bonito, ja rodava pelas estrdas do continente ha quase 20.ooo km, desde o Yucatan no Mexico.
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Durante a viagem ja tinha `passado por situacoes bastante cariatas com a minha tenda, desde levantar voo com a aterragem forcada de um helicopetro, tarantulas e ate mesmo ser alvo da ira de uma vaca com diareia, mas esta nunca me tinha acontecedo: esta cadela deu a luz 6 cachorinhos dentro da tenda enquanto dormiamos!


Outubro é época baixa em Bonito o que significou que tivemos o parque de campismo quase só para nós, e que implicou ter para nosso quase exclusivo uso um dos lugares mais bonitos de toda a travessia do Brasil: uma da cascátas do Rio Formoso adjacente ao campismo e o paradisíaco Poço da Sucuri, uma piscina natural com um tronco de uma arvore caída a servir como trampolim onde passamos horas a mergulhar nas águas cristalinas do rio.

Buraco da Sucuri...




Facilmente teríamos passado mais uma ou duas semanas naquele lugar, mas tínhamos que seguir viagem. Planeávamos 4 semanas para chegar às Cataratas de Iguaçu, mas pelo caminho queríamos conhecer um pouco mais de um outro pais: o Paraguai.

Depois de 4 dias de ciclismo desinteressante passando por Bela Vista e Antonio João chegávamos finalmente à cidade fronteiriça de Ponta Porã, e à cidade gémea de San Juan Caballero no lado Paraguaio.
Tem mesmo que colocar sinais a indicar comunidades indigenas? Porque???

As duas cidades estão juntas, separadas apenas pela avenida internacional, e as pessoas circulam livremente entre as duas cidades sem qualquer tipo de controle. Um contexto que apesar de não ser único a nível de fronteiras, não deixa de ser peculiar. Procuramos a emigração brasileira situada no edifício da policia federal e entramos no Paraguai, cuja decadência evidente fez lembrar que o Brasil já há muito que ganhou aos seus adversários latino-americanos a corrida do desenvolvimento. Tivemos alguma dificuldade em encontrar a emigração paraguaia situada num velho edifico junto ao terminal de autocarros, mas as formalidades foram rápidas e eficientes e poucos minutos depois saiamos com um visto gratuito de 3 meses.

Depois das árduas etapas de ciclismo na Bolívia, o Brasil foi um pouco como se estivéssemos a fazer cicloturismo de lazer, o que eu prefiro chamar de passeio no parque. O calor forte e as largas distâncias entre pontos de interesse acrescidos aos elevados preços provocados por um Real (moeda brasileira) muito forte, foram dos pouco factores negativos da nossa visita. Por outro lado a surpreendente sensação de segurança e honestidade das pessoas que encontramos nas zonas rurais, a melhor comida da região sempre acompanhada por um excelente serviço profissional, a natural simpatia dos brasileiros, e a inquestionável beleza do Pantanal, deixou-nos com a sensação que a nossa passagem pelo país fora muito curta e deixou um forte desejo de um dia regressar.

Por do sol na estrada parque..

Nuno Brilhante Pedrosa

12.01.2008

O circuito das missões jesuíticas e a transpantaneira boliviana (Bolivia)

Quando encostámos as bicicletas ao tronco de uma árvore e refugiámos os nossos corpos exaustos do sol inclemente na sombra da palmeira eram 10.30 da manhã e já estavam 38 graus. Uma fina camada de pó cobria os nossos corpos pegajosos pelo suor e não havia forma para nos refrescarmos. Os rios estavam secos e os poucos coriches (lagos, alguns artificiais) que ainda não haviam secado estavam infestados por crocodilos e piranhas. A água que tínhamos obtido numa fazenda, logo pela manhã já estava quente e nem com dose duplas de comprimidos de purificação conseguíamos camuflar a sua cor esverdeada e sabor a terra.
-“ah, o quanto daria por uma coca-cola, mesmo que quente!”. Mas não havia onde comprá-la.


Parque San Matias
Trans Pantaneira
Trans Pantaneira

Hoje não tínhamos conseguido manter-nos em cima das bicicletas por mais de 100 metros de cada vez sem que a espessa camada de pó que cobria o caminho nos detivesse e nos obrigasse a empurrar. O dia de ontem não tinha sido muito melhor e nem o anterior. Já estávamos 100 km para dentro da Área Natural de Manejo integrado San Matias (ANMI), o pantanal boliviano, e ainda nos faltavam percorrer mais de 300 quilómetros para sairmos do parque. O nosso consumo de água era demasiado elevado para podermos carregar água para vários dias e os únicos pontos de abastecimento dentro do parque eram nas fazendas de gado ou numa das escassas aldeias indígenas que existem ao longo do percurso. Se a estrada continuasse assim poderíamos levar semanas a atravessá-lo. A situação era desesperante.

O caminho por vezes assim...
Outras vezes assim...
Mas sempre um calor infernal....
Estávamos no mês de Setembro no final da época seca, e nos últimos dias o calor abrasador obrigou-nos a alterar o nosso ritmo de viagem. Começávamos com o nascer do sol, parávamos pelas 10.30 ou 11 horas e apenas prosseguíamos viagem depois das 4 ou 4.30 horas. As longas horas de pausa eram passadas na sombra de uma árvore, arrastando o colchão com frequência para mantermos os corpos debaixo da sombra das folhas. Por vezes os mosquitos obrigavam a montar a tenda e repousar dentro dela sob um calor sufocante. Mas era fascinante imaginar que tudo o que nos rodeava dentro de dois ou três meses estaria inundado pelas águas do rio Paraguai, que todos os anos na época das chuvas transbordam para as suas margens e cobrem de água uma área duas vezes superior ao território português criando o maior pantanal do mundo que engloba partes do Brasil, Paraguai e Bolívia. O pantanal Boliviano fica situado entre as áreas naturais do Chaco (a Sul) a serrania Chiquitenha (a Oeste) e a bacia amazónica a Norte.
Leque Leque, passaro bastante ruidoso que anunciava sempre a nossa presenca
Jacares um pouco por todo lado..
Rio San Fernando, de aguas estanadas e infestado de piranhas e jacares


O Parque Nacional San Matias é um parque recente e não tem infra-estruturas para turismo, foi criado em 1997 para proteger esse gigantesco ecossistema e com 9.9 milhões de hectares é um dos maiores parques naturais da America do Sul, no entanto a falta de vigilância, corrupção e ineficiência do governo Boliviano em manejar os recursos do parque, fazem-no também num dos parques bolivianos mais vulneráveis a caçadores furtivos e colonos sem escrúpulos que dizimam grandes áreas de floresta pantaneira para as pastagens dos seus rebanhos de vacas.
A transpantaneira Boliviana, com cerca de 400 km de extensão, é a única estrada que atravessa o parque desde Candelária até Rincón Del Tigre e posteriormente para El Carmen, passando por San Fernando e Santo Corazon, vinha assinalada (erroneamente) nos meus mapas, mas não é mais de que um caminho esquecido, transitado apenas em jipes 4x4, moldado na terra pantaneira e arenosa e que desaparece durante a época das chuvas para voltar a aparecer à superfície da terra nos meses secos.

Debaixo de 5 metros de agua durante o inverno, agora arenais impossiveis de pedalar, Trans Pataneira.


Debaixo da sombra da palmeira eu e a Joana debatíamos a nossa situação. Continuar seria ciclo-masoquismo puro e não estávamos dispostos a repetir as dificuldades que tínhamos passado no altiplano com o acréscimo das temperaturas inclementes e falta de água potável. O nosso destino era Corumbá no Brasil e voltar a trás, a San Ignácio e San José implicavam dar uma volta de aproximadamente 1000 quilómetros. Mesmo em autocarro não seria tarefa fácil além que o tempo para a Joana começava a escassear, mas tínhamos que nos render ás evidências. Não era possível continuar. Mas com é que nos havíamos metido aqui, num dos cantos mais isolados do Oriente boliviano?

Nascer do sol na selva.

A nossa aventura desta ultima etapa na Bolívia havia começado em Santa Cruz há varias semanas atrás. O plano era evitar a estrada principal que liga essa cidade com Puerto Suarez na fronteira com o Brasil utilizando estradas secundarias através das aldeias das missões Jesuítas e posteriormente através do parque de San Matias, uma etapa de aproximadamente 900 km, na sua maioria em caminhos de saibro. O que não era nada de surpreendente num país onde apenas 6% das estradas são alcatroadas. A nossa principal preocupação era a falta de informação acerca da região do pantanal.
Deixámos a caótica cidade de Santa Cruz para trás através de um dos seus eixos rodoviários mais movimentados com direcção a Montero, sob um trafego intenso, sem bermas e vento de frente forte, tornando as nossas pedaladas lentas e cautelosas. Os dias que se seguiram até San Xavier, a nossa primeira missão Jesuíta, foram monótonos e aborrecidos passando por vastas zonas de massivas monoculturas e aldeias de colonos Japoneses e Croatas.

Entrada na colonia Japonesa de Okinawa


Apesar de não esperamos selva luxuriante ou aldeias missionárias tiradas do filme A missão, com o Robert de Niro, o cenário estava muito aquém do que imaginávamos e começávamos a questionar se valeria a pena o gigantesco desvio a que nos estávamos a propor.
São Xavier foi a primeira aldeia jesuítica no nosso percurso. Um aldeia pacata com um pequeno, mas agitado mercado de rua e com a igreja jesuítica a impor-se na praça central sombreada por estranhas arvores gordas (reza a lenda que os índios Guarani esculpiam um buraco nos seus largos troncos para se refugiar das intempéries). As cabines telefónicas com formas de animais, importadas do Brasil, davam cor à poeirenta e húmida atmosfera. Estas homenagens à fauna local existem um pouco por todo o Sudeste da Bolívia, desde tucanos a papagaios ou pumas, mas o meu favorito era o tigre onde para se telefonar a alguém, uma pessoa tinha que introduzir-se nas entranhas do animal.




Depois de San Xavier a paisagem começou a ficar um pouco mais interessante. A estrada alcatroada sobe e desce os pequenos montes através de floresta densa mas seca pela falta de chuva, onde podíamos avistar muitos pássaros exóticos coloridos nos galhos das enormes arvores ou sentir a inércia tropical das pequenas comunidades que íamos atravessando.
Arara Vermelha
Rua principal de Santa Ana
Missao de Concepcion
Igeja de Concepcion construida em 1709


Concepcion foi uma delas. Uma pacata e poeirenta aldeia de caminhos de terra vermelha e casas de adobe e telha ibérica em cuja praça principal se destacava a bonita igreja em estilo barroco com a sua intricada fachada e torre de sinos inteiramente feita em madeira ricamente trabalhada. Alojamo-nos no hotel Colonial e no dia seguinte seguimos viagem. 30 km depois de Concepcion termina o alcatrão. Não o iríamos voltar a sentir durante as próximas 3 semanas.

Estrada entre Concepcion e San Ignacio de Velasco
Comunidade indigena Guarani

Nesse dia, cálculos mal feitos obrigaram-nos a pedalar pela noite dentro em busca de água até à pequena comunidade indígena de San Fernando. Na noite escura tínhamos alguma dificuldade em distinguir as pequenas casas de madeira e tecto de colmo por entre a floresta. Ao contrario das aldeias jesuíticas onde se respirava um ar remoto mas saudável, as pequenas comunidades indígenas ao longo do percurso, quase todas, não tinham electricidade ou água potável. Com os focos das nossas lanternas procuramos vida por entre as casas. De uma delas a luz tênue de uma vela iluminava os rostos marcados e trigueiros de uma família guarani. “Desculpe, hay um posto de venta por aca?”, perguntei à surpreendida família. “No, no hay”, respondeu uma senhora. “Nos poderia brindar com um pouco de água, tenemos sed”, disse. “Si, vengan a dientro”. Um dos jovens traz um balde de água com um recipiente feito da casca seca de um fruto tropical a boiar à superfície. Era o copo. Discretamente aponto o foco da lanterna para a água. Tinha tonalidades de um castanho esverdeado, provavelmente tirada de algum poço aberto ou ribeiro, mas não tínhamos alternativa. Perguntámos se podíamos montar a tenda no quintal. Disseram-nos para montá-la dentro da casa. Passamos a noite à conversa com a família e os vizinhos curiosos que por ali iam passando. Senti-me privilegiado de poder partilhar aqueles breves momentos com aquela família e com as suas realidades que são as mesmas que as de muitos outros Bolivianos.

O Ciclo-vagabundo em frente a casa da familia guarani que nos acolheu

No dia seguinte enchemos as garrafas com a água do balde à qual adicionamos dose reforçada de purificadores, despedimo-nos desta simpática família e partimos com o nascer do sol. Íria estar mais um dia de calor inclemente. A simpática curiosidade e amabilidade das pessoas que íamos conhecendo estavam a tornar-se o ponto alto desta etapa, mas as inesperadas surpresas com o mundo animal que nos aguardavam, relembravam-nos que apesar de estarmos numa zona colonizada pelo Homem, este não tinha o domínio supremo. Essa noite acampámos no meio da selva, num bosque seco e cerrado a poucas dezenas de metros da estrada. .


A Joana cozinha uma deliciosa feijoada brasileira, que consistia de uns enlatados que tínhamos comprado em Concepcion. No final do jantar notamos que estávamos a ficar rodeados de formigas. Nada de surpreendente se estas não fossem umas formigas grandes e negras com um apetite tão voraz que nos obrigaram a desmontar o acampamento e montá-lo novamente numa outra clareira do bosque uns 500m mais adentro. Foi algo de extraordinário o que se passou. Nos breves momentos em que se apoderaram do acampamento tinham destruído pedaços inteiros de papel higiênico (que usamos para “lavar” os pratos quando temos que racionar a água) e troços de plástico que carregavam às costas pela floresta, mas foi quando observamos que já tinham furado a tenda e penetrado nela que entramos em pânico. Inspecionamos cautelosamente o novo acampamento antes de montar a tenda. Imaginar que éramos transportados por um exército de formigas enquanto descansávamos, foi uma visão que não me deixou dormir bem, mas a grande surpresa aguardava-nos na manhã seguinte quando fomos inspecionar o acampamento anterior a ver se, com o pânico, tínhamos deixado alguma coisa para traz. E tinha, nunca tinha visto nada igual. A bolsa da tenda tinha sido fragmentada por aqueles diminutos monstros que a separaram em duas partes. Isto é o que restou da parte superior, e não é nenhuma montagem em photoshop:

Os missionários jesuítas chegaram à Bolívia no final do sec. XVI com o intuito de salvaguardar os índios locais dos bandeirantes portugueses que os capturavam e os vendiam nos mercados de escravos da colónia brasileira. Vistos por alguns como heróicos exploradores e por muitos como selvagens sem escrúpulos, os bandeirantes portugueses tentaram ao longo dos anos estender o território da colónia até aos sopés da cordilheira andina, deixando com o avanço de cada expedição, uma bandeira da coroa, daí o seu nome.
Os missionários jesuítas trouxeram não só o catolicismo e relativa paz para a região, mas também ensinaram os indígenas locais as artes de cerâmica, escultura de madeira e música barroca. Com o desenvolvimento das missões, as elaboradas igrejas construídas pelos jesuítas tornaram-se em grandes centros de ensinamento cultural e em 1767 quando os jesuítas foram expulsos da America latina,depois de um tratado imposto aos espanhóis por Marquês de Pombal, as 7 missões jesuítas da Bolívia tinham todas as suas próprias orquestras de música barroca constituídas na sua integridade por indígenas locais.
Portal da igeja de Concepcion
Missao de Santa Ana construida em 1755
Missao de Concepcion
Missao de San Rafael construida em 1698

As incrivelmente intricadas igrejas jesuítas bolivianas, 6 das quais foram declaradas património da humanidade pela UNESCO, são o testemunho de uma das maiores experiências culturais efectuadas no continente durante a era da colonização. Pelo menos assim o pensava o Sr Jesus Ribero funcionário do departamento de turismo da câmara municipal de San Igancio que nos convidou a almoçar num restaurante típico local e nos contou estas e muitas outras historias acerca da Chiquitania, esta vasta região do oriente boliviano. O Sr Ribero era um apaixonado pela historia da região e não hesitou em partilhar os seus conhecimentos conosco. Um homem muito vivaz, caloroso e cordial que ficou tão entusiasmado com a nossa idéia de atravessar o pantanal boliviano de bicicleta que fez tudo o que lhe foi possível para nos ajudar, ligando-nos a uma útil rede de contactos nas câmaras municipais das missões que íamos visitando, nas quais obtivemos mapas e informação da região pantaneira.

Sr Jesus Ribeiro
Num dos nossos passeios pela cidade na sua companhia, o Sr Ribero introduziu-nos a uns jornalistas do canal de televisão do canal 13 (um canal local), que estavam sentados à sombra de um banco no jardim da praça principal da aldeia. Essa noite observamos divertidos em frente ao pequeno écran o nosso momento de gloria mediática. A notícia de dois forasteiros a viajar pela região em duas rodas a passar em horário nobre, entre a notícia de 35 manifestantes mortos num conflito com as autoridades na província de Benin, e a noticia da continuação do bloqueio das estradas de acesso a Santa Cruz que já durava há mais de uma semana. A julgar pelas vezes que fomos abordados por locais que nos reconheceram nos dias que se seguiram, a notícia dos cicloturistas portugueses a viajar pela região foi divulgada várias vezes. Iríamos ter outro encontro mediático, em jeito de despedida do país quando, semanas depois em Puerto Suarez, no nosso último dia na Bolívia, fomos abordados por outro canal de televisão cuja repórter fora avisada da nossa presença na cidade fronteiriça pela dona do hotel onde nos alojamos. Ao contrário do altiplano que está no itinerário de muitos cicloturistas que visitam o país, o Oriente Boliviano raramente vê turistas em duas rodas.
Aldeia de Ascencion
Entrando em San Rafael


San Rafael era a última aldeia do nosso circuito missionário. Apesar de lhe faltar a atmosfera colonial das outras aldeias tem uma igreja não menos notável, se bem que em maior estado de decadência e com pouca restauração. Na pequena casa dos serviços florestais do município oferecem-nos um mapa da região, mas, como o parque de San Matias estava fora da sua jurisdição não sabiam dizer as condições das estradas dentro do parque. Os nossos 3 mapas da região não acordavam numa rota comum, cada um demarcando linhas e nomes de aldeias diferentes e nos últimos dias tínhamos ouvido as mais variadas histórias acerca das estradas da região, desde que estavam comidas pela selva até estarem bloqueadas por militares que asseguravam a passagem de viadutos de gás natural. As pesquisas na internet também não deram frutos uma vez que não há relatos de viajantes a passear pela região. Só havia uma maneira de saber: ir ver a estrada com os nossos próprios olhos, mas primeiro telefonamos à câmara municipal de San Matias que nos informaram que a estrada dentro do parque estava transitável.
De San Rafael a Candelária, à entrada do parque, foram ainda 5 dias de viagem e 280 km por estradas de saibro vermelho em relativamente bom estado, passando por Tuna, Canyon Verde e Ascencion, locais onde nos abastecemos com mantimentos e água. Quando esta não chegava, pedimo-la nos asseraderos, serrações de madeira, que existiam ao longo do percurso. Algumas legais outras não tanto, mas todas prestáveis

Serra da Chiquitania
Aldeia de Tuna

A agua podia nao ser muito limpa mas oferecia um local refrescante para nos refugiarmos do sol inclemente durante as horas de maior calor.


Candelária marca a entrada na Área Natural San Matias e também a zona pantaneira. Uma pequena aldeia espalhada sobre uma grande superfície de terra elevada que se transforma numa ilha durante as massivas inundações que ocorrem durante a época das chuvas. Uma pista de aterragem de terra batida que também serve de campo de futebol, atravessa a aldeia de norte a sul e oferece a única forma de comunicação com o exterior durante esses meses.

Pista de aterragem convertiva em campo de futebol
Eu e a Joana em frente a casa alugada da Sr Rita, Candelaria.


Não há hotéis ou restaurantes na aldeia, mas senhora Rita que vive na rua principal alugou-nos uma casa sem eletricidade e com o chão de terra batida que estava desocupada, por uns meros 20 bolivianos (2 euros) e cozinhou-nos um delicioso pão fresco. No dia seguinte choveu e decidimos adiar a nossa travessia por mais um dia aproveitando para visitar os escritórios dos guardas florestais que nos indicam que o caminho dentro do parque estava “bonito”. Sem termos idéia do que eles queriam dizer com “bonito”, partimos no dia seguinte parque adentro.
Já há 3 dias que nos arrastávamos por este caminho de pó e areia sob um sol inclemente. A paisagem seca que nos rodeava estava longe do luxuriante e tropical que imaginávamos, mas as poucas vezes que encontramos algum local com água podíamos observar todo o tipo de passarada e animais selvagens como crocodilos, veados, armadillos e até a rara arara azul. A vida animal por estas bandas contrai-se e expande-se de acordo com a quantidade de água existente. De momento os animais (em particular as piranhas e outros peixes e anfíbios) vivem “aprisionados” nestes pequenos lagos de água estagnada (coriches), mas quando as chuvas inundam toda esta região, libertam-se, podendo viajar livremente por centenas de quilómetros até que a próxima estação seca os aprisione de novo.



Paraba Azul, e uma arara rara que so existe no Pantanal

Debaixo da palmeira eu e a Joana debatíamos a nossa situação. A opção mais sensata seria desistir da nossa travessia e regressar a San Rafael e posteriormente San José onde encontraríamos o alcatrão que nos levaria até à fronteira Brasileira. Mas algo nos dizia que depois de ter chegado tão longe não podíamos desistir. Do outro lado do caminho sobre uma colina estava uma pequena casa de madeira. Entramos a pedir água. A senhora que nos acolheu recomendou-nos a passar a noite na pequena comunidade de Pozones que se avistava por entre a floresta do outro lado da colina, e voltar para traz no dia seguinte. Passamos a noite na casa do Wilfredo e da sua amável esposa. O Wilfredo era o professor da comunidade e o único que tinha televisão e energia solar. Não havia sinal de recepção televisivo na aldeia, mas o Wilfredo usava a televisão para mostrar filmes pirateados que trazia da cidade de San Matias, e essa noite era noite de cinema. Toda a população jovem da comunidade estava presente na pequena sala com chão de terra batida e janelas de rede mosquiteira. Nesta região de malária, essas precauções eram essenciais, mesmo nas famílias mais pobres. Julgo que foi a primeira vez na vida que vi um filme de kung-fu chinês na sua integridade. Não me atrevi a interromper a espantosa atenção com que toda a audiência via o filme. Ao jantar o Wilfredo e a sua mulher contaram-nos historias fascinantes da vida na região quando tudo esta inundado. Segundo ele, Pozones em particular é um lugar perigoso para viver quando se transforma numa ilha e as serpentes procuram um lugar seco para passar a temporada ou os crocodilos buscam os areais secos para fazer o que mais gostam de fazer: passar horas imóveis ao sol. Há serpentes por todo o lado, conta-nos, à noite quando jantamos aqui fora temos que usar as lanternas constantemente para assegurar que elas não mordem as crianças. Apesar de haver muita vegetação as terras por aqui são pouco férteis e os bens de consumo vêm quase todos da cidade, quando há uma época de chuvas mais prolongada há quem passe fome e o espírito de ajuda na comunidade é muito grande.
-“Ontem o pároco de Santo Corazon esteve aqui a dar a missa”, disse o Wilfredo mudando de assunto, -“Só vem cá de vez em quando. É uma viagem muito longa, sabem, leva todo o dia. Ele disse que andam a arranjar a estrada”.
Os meus olhos reluziram de interesse. O pároco era um missionário europeu que vivia em Santo Corazon, a próxima comunidade dentro do parque que ficava 100 km para Sul, e deslocava-se aqui para dar missa numa capela de madeira improvisada no meio da comunidade. Segundo ele, andam a construir uma estrada nova pela selva paralela ao caminho velho. Há que averiguar mais acerca das condições dessa estrada. No dia seguinte decidimos avançar ate à aldeia de San Fernando que, apesar de estar apenas a 15 km dali, nos levou toda a manhã a fazer.

Capela de Pozones ao por do sol
Familia do Wilfredo e vizinhos, Pozones.


San Fernando é uma comunidade grande. Tem duas ruas paralelas e cerca de 20 ou 30 casas e até eletricidade por gerador se bem que apenas à noite e por 2 horas. Havia uma espécie de restaurante comunitário debaixo de uma enorme arvore de manga. O dono convidou-nos a almoçar.
- “Já alguma vez experimentaram orina?”, perguntou.
Eu e a Joana olhamos um para o outro perplexos.
-“Urina? Hum....não, nunca nos ocorreu”, respondi ironicamente.
-“Pois tem que experimentar. É uma especialidade local. Deixem-me oferecer-lhes um pouco”.
Orina é uma espécie de veado, mas menor e mais ágil que, para além de ser simplesmente delicioso, é bastante comum na região. Apesar de estarmos dentro de um parque natural onde supostamente é ilegal caçar, ninguém parece fazer caso, nem tão pouco os guarda parque, que com medo de represálias, não interferem com a caça furtiva.
Ao almoço questionámos os residentes acerca das condições da estrada. Parecem unânimes em dizer que está “bonita” e com o piso duro. A sombra da árvore de manga retirou-nos a vontade de continuar sobre aquele calor abrasador e decidimos montar acampamento debaixo dela e passar o dia por ali. Ao final da tarde aparecem 2 forasteiros e um guarda florestal num jipe, os únicos que tínhamos visto em toda esta etapa. Estavam em apuros. Tinham misturado gasolina com gasóleo no tanque do jipe e como não havia mecânico na aldeia queriam comunicar-se por radio, com um amigo em Santa Cruz, para saber o que fazer. O Daniel e a Carmen eram 2 fotógrafos profissionais espanhóis a viver na Bolívia já há 2 anos empenhados num projecto fotográfico que incluía todos os parques naturais do país, e que esperavam publicar um livro num futuro próximo. Passamos uma noite agradável na sua companhia e na manhã seguinte partimos.

Carmen e Daniel


O calor nos últimos dias intensificou-se de tal forma com o termômetro a subir acima dos 45 graus, que nesse dia não nos foi possível pedalar entre as 10 h e as 5 da tarde. Decidimos continuar de noite. Foi bastante estranho e até um pouco assustador pedalar na noite escura rodeados de bosque cerrado e barulhos estranhos da selva.

Foto tirada durante o dia ,mas no mesmo bosque onde pedalamos durante a noite.


O caminho alternava entre zonas de areia onde as rodas afundavam e era necessário arrastar as burras até zonas de terra batida interrompidas por raízes de arvores e buracos que nem sempre eram fácies de evitar. Nada que não tivéssemos feito antes, mas com a escuridão e ruídos estranhos, foi algo um pouco sinistro. Com o conta quilómetros a marcar 34 quilómetros démo-nos como vencidos e montamos acampamento no meio da floresta escura. Ainda bem que só no dia seguinte viríamos a saber, quando encontramos os espanhóis de novo, que recentemente um biólogo acampou junto a este mesmo caminho e teve um encontro inesperado com um jaguar enquanto dormia dentro da tenda.
No dia seguinte as condições pioraram. O calor era simplesmente insuportável e o caminho cada vez mais arenoso. Estrada “bonita”, dizem! Quando é que iríamos aprender a não confiar nas dicas dos locais? Bolivianos simplesmente não andam em bicicleta e não fazem a mínima idéia do que é viajar numa. Quando os espanhóis passaram por nós ao meio dia tínhamos feito apenas 13 km. Ofereceram-nos uma boleia. Por maior vontade que tivéssemos em continuar, tínhamos que admitir: a Trans Pantaneira boliviana NÃO é transitável para cicloturistas.

O momento do resgate....


O que inicialmente era apenas para ser uma boleia de jipe transformou-se num safári fotográfico de vários dias onde percorremos varias partes do parque na sua excelente e divertida companhia. Com eles aprendemos mais acerca da vida selvagem Boliviana nesses dias do que em muitas semanas a pedalar pelo país.

Aldeia de Santo Corazon, a comunidade mais isolada do parque San Matias
Laguna La Gaiba


Visitamos Santo Corazon, uma pequena comunidade indígena no meio do parque, Rincón Del Tigre outra comunidade de índios Ayoreos que vivem sobre a tutela de uma missão evangélica Norte Americana. Os Ayoreos são uma tribo de caçadores nómadas que ainda nos dias de hoje se estão a adaptar pouco a pouco à sociedade moderna. Segundo nos contam, os Ayoreos estão a absorver com mais rapidez os aspectos malignos da nossa sociedade, como o alcoolismo e a delinquência do que outros aspectos que lhes tentam ensinar como saúde ou educação pessoal. O Daniel é informado que há uma sucuri (anaconda) num coriche perto da comunidade, e decidimos passar a noite lá na expectativa de fotografá-la. Havia muitos tucanos e araras, mas nunca vimos a dita anaconda
Um Ayoreo da comunidade de Rincon Del Tigre.


Visitámos também a lindíssima laguna de La Gaiba onde passámos 2 dias acompanhando o Daniel e a Cramen nos seus safáris fotográficos. La Gaiba vinha assinalada no mapa como uma pequena povoação, mas na verdade existe apenas uma única família a viver nas margens desta lagoa fronteiriça que faz ligação com o rio Uruguai e com a zona pantaneira permanente do lado Brasileiro. Era a família do Dom Miguel, a sua esposa brasileira e os seus 16 filhos. Dom Miguel dedicava-se à caça e pesca para sustentar a sua enorme família e cumpria também com as funções de guarda parque não oficializado.

Laguna La Gaiba ao entardecer
Safari fotografico na companhia do Daniel, La Gaiba.
Dom Miguel
Casa onde Dom Miguel vive com os seus 16 filhos
Uma das muitas praias desertas da Laguna La Gaiba.
Piranhas acabadas de pescar. Carne de piranha e' deliciosa..


Os 4 dias que passamos na companhia do Daniel e Carmen chegaram a um fim quando nos deixaram em El Carmen, já no alcatrão, a cerca de 100 km da fronteira brasileira. No conforto do jipe e da sua companhia tivemos oportunidade de ver o parque de San Matias com outros olhos. Fazer aquela etapa em bicicleta teria sido um desafio superior ao que jamais imagináramos ou ao que tivemos no altiplano, o qual não sei se estaríamos preparados para o fazer. Talvez com a construção da nova Trans Pantaneira, em breve seja possível fazer esta travessia em bicicleta. Mas as peculiaridades geológicas e climáticas da região são desafios que diferem de ano para ano e as tornam pouco atractivas para cicloturismo.
Joana pedala ao amanhecer na selva humida..
Com 4 meses de viagem e mais de 3000 km percorridos chegámos ao final da nossa travessia no país. A Bolívia foi sem dúvida alguma, o país mais marcante da viagem. A diversidade paisagística, étnica e cultural não tem paralelo no continente. Ainda não saímos daqui, mas já estamos desejosos por voltar a este país um dia.
Em breve cruzaremos a fronteira para o Brasil, e o próximo desafio a que nos propomos é a travessia da famosa Estrada Parque, ou Trans Pantaneira brasileira. Mas com a época das chuvas cada vez mais próxima, iríamos conseguir atravessá-la antes que inunde?
Do outro lado da fronteira esperam-nos, com certeza, novos desafios!

Nuno Brilhante Pedrosa